sábado, 22 de setembro de 2007

FOGO MORTO: PAISAGEM SONORA DE UM NORDESTE DECADENTE.

Faz um bom tempo que circulo em torno de "Fogo Morto" para assistí-lo e apreciar a delícia da bela adaptação de Mário Farias à obra de José Lins do Rêgo. Me senti preparado depois da leitura da dissertação de Leonardo Vieira: "Música dos Espaços: Paisagem Sonora do Nordeste no Movimento Armorial" que trouxe uma infinidade de esclarecimentos em torno do debate promovido por Durval Muniz em "A Invenção do Nordeste" deixando para mim uma noção mais sólida da audibilidade e espacialidade construída discursivamente em torno do que hoje chamamos de Nordeste.Envolvidos pelas rabecas e violas armoriais, somos absorvidos por um cenário seco, quente e cheio de tristeza...um Nordeste em decadência absoluta no final do século XIX que através da literatura e do cinema procuram garantir seu espaço de visibilidade para não cair no esquecimento e ser tragado pela modernidade, a predominância da sinfonia da Orquestra Armorial vem na finalidade de construir um ritornello (território fechado)e impedir que nossos olhos desviem para outros espaços. Mário Farias busca a conservação do Nordeste através do cinema, pois a imagem é um elemento cristalizador eficaz juntamente com a sonoridade estratégica da orquestra.Belo exemplo de manuntenção das tradições...o filme é forte, celebrativo de um momento de crítico da colônia, o seu fim, o seu declínio. Othon Bastos e Jofre Soares nos amarram até o último segundo com um elenco que trabalha de modo verdadeiro, representando para nós um período marcado pela decepção e a não aceitação das mudanças históricas.Um mergulho no romantismo, na exaltação de um passado que não volta...e a espera do fim...pois Mário Farias e José Lins do Rêgo deixam claro que happy-end num Brasil como aquele (e esse!) não passa de uma fuga vazia...Vale a pena assistir!

RIO 40 GRAUS: ENTRE MARAVILHAS E HORRORES DE UMA TERRA INFINITA

Ao ver essa obra me lembrei de uma série de imagens que tenho sobre o Rio geradas pela literatura de Costallat em "Mademoiselle Cinema"(1923), escritor maldito da belle époque que foi injustamente esquecido pela sociedade literária, mas que permanece vivo na minha memória...um RJ limpo e tropicalmente francês, deliciosamente decorado com o malicioso olhar de Rosalina, a melindrosa mais atraente que já existiu, devoradora de homens...Costallat nos mostra as belezas do Rio das elites e sobra pouco espaço para a marginalidade, fortemente visível em "O Cortiço"(1890) de A. Azevedo revelando as dores de um povo sujo e degradado..também meio veio na cabeça o atentado terrorista de Sganzerla em "Copacabana Mon Amour"(1970)sobre a paisagem carioca num delírio arrepiante de Helena Ignez e sua caravana do terror sobre as paisagens que alternava entre a beleza dos corpos nus e o lixo, fuzilando a mente dos mais sensíveis...mas com Nelson Pereira dos Santos (anos 50) vi um RJ mais condensado e sintético, onde ele tenta abordar (de modo caricatural) em seus personagens uma identidade carioca com suas imagens típicas de afirmação cristalizadora: o malandro, o menino de rua, o futebol, o carnaval e outros clichês que hoje em dia já passa desapercebido...É um filme obrigatório, pois inaugura o dito Cinema Novo e nos ajuda a entender a constituição imagética das figuras cariocas mostrando como essa "escola" inicia suas experimentações em busca da linguagem de um cinema social "preocupado com o povo". Sem contar que o final é lindo...O RJ é cheio de significações na arte e para mim Rio "40 Graus" foi a mais encantora, pelo poder de sintetizar o horror e a beleza de um lugar carregado de encantos e armadilhas.Antes de Glauber vem Nelson, não esqueçam!

HORROR DO TERCEIRO MUNDO...

Minha primeira experiência com Mojica foi com Maurice Capovilla no ácido filme-espetáculo de dor e tortura circense, "O Profeta da Fome" (1969) com uma atuação comovente e horrenda...mas ao ver de perto uma das primeiras aparições de Zé em "A Meia Noite Levarei Sua Alma" fiquei surpreso com sua presença. Legal ver uma das linguagens do udigrudi em prática efetiva, que é o constante diálogo com o HQ (história em quadrinhos), coisa que Mojica já se influenciava desde pequeno onde no início vemos (o que hoje chamaríamos de "terror pastelão")uma bruxa não muito convincente nos ameaçar de sair da sala por ser um filme muito violento e aterrorizante(coisa de Zé até hoje...rsrsrsrs) e em vez de medo, por estarmos acostumados com tanta desgraça televisiva, o filme se transforma num terrir fora de série, pois nada mais nos assusta com tanto sangue jorrado dos jornais.Com um roteiro muito arregaçado e sem muitos rodeios, nos deparamos com uma sequêncIa de insanidades de um misterioso assassino que só acredita em uma coisa: NELE.Mesmo assim, notamos uma fraqueza no seu personagem...não acredita em nada por nunca ter um filho, isso o tornou um homem sádico e adorador do ódio, matando todos aqueles que estão no caminho para aliviar sua frustração e possibilitar uma maior aproximação com o mal.Considerado um dos primeiros filmes de terror do Brasil, ter contato com essa obra é uma sensação muito prazerosa por identificar não apenas os aspectos do trash brasileiro, mas por entender o porque dos cineastas do dito Cinema Marginal tomar José Mojica Marins, (o eterno e caricatural "Zé do Caixão") como uma das principais fontes de inspiração do nosso submundo cinematográfico brasileiro pouco explorado."A Noite Levarei Sua Alma": anúncio do Mal Estar do cinema nacional...

EXPERIMENTAL DO EXPERIMENTAL!!!

Qual sua reação ao ver Jimmy Hendrix num solo infernal, ao lado de Zé do caixão evocando discos voadores e celebrando a boçalidade humana aos ruídos destroçantes e incompreendidos de uma bateria desgorvernada?Pensei que Documentário fosse o melhor experimental de Sganzerla, por ser o primeiro e tal...que nada!!!Há um bom tempo não tive uma insônia tão deliciosa ao ver Abismu(1977)!!! Confesso que estou com medo de rever...Sinceramente não existe comentários para esse ataque à mente, quando vi Bandido quase não durmo, ao saciar Copacabana Mon Amour sentia minha cabeça sendo arremessada numa "quina" de azulejo afiado e Abismu é um total mergulho ao caos.Existe um metacinema radical...por que um filme tem que contar uma história?Sganzerla expõe sem respeitar (graças a Deus)o espectador suas referências mais íntimas e sua ligação incompreendida com os UFOs, fazendo isso rapidamente em 1968 no clássico Bandido da Luz Vermelha, mas o que mais excita é ver Zé Bonitinho delirar num improviso niilista ao solo de Hendrix e a caótica viagem ao Rio de Janeiro no carro-guia do Abismu.É muita informação fragmentada, é um louvor ao experimental, com filmes assim é que me dá sede de filmar e dar ênfase ao percurso do autoral, fazendo as conexões que compõe o criador audiovisual sem se preocupar com produto final.Depois da primeira decepção com Sganzerla ao ver Perigo Negro, me alegro e sofro ao cair nas teias venenosas da anti-teleologia abismal dessa obra maldita nas pedras cortantes da praia carioca. Se renda a esse filme, seja cortado, mutilado, arrasado e deixe cada imagem entrar como cacos de vidro nas suas veias ao som de Hendrix e da invasão alien sganzerliana que está por vir.É a primeira vez que fico sem condições de dizer o que é um filme, fui atacado, estou sangrando com os tiros que levei de Wilson Grey, as naves de H.G Wells destruíram minha capacidade de expressão, sinto mnhas pernas tremerem...
Depois de ver os clássicos como "Contatos Imadiatos", "ET" e "Guerra dos Mundos", sinto que minha missão de vasculhar filmes ufológicos se completa nessa obra-maior: "O Dia que a Terra Parou", filme que provoca uma intensa reflexão sobre o tamanho de nossa ignorância frente o cosmo e suas indefinições. Seria importante se esse filme fosse mais divulgado, pois assim a lamentável visão que a sociedade tem da Ufologia séria poderia, através desse material, ser avaliada.A historia de "O Dia que a Terra Parou" foi publicada originalmente em 1940 com o titulo de "Farawel to the Master", na revista Astounding Science e foi escrita por Harry Bates. Somente 11 anos mais tarde o conto foi filmado, sendo dirigido por Robert Wize e tento com protagonistas: Michael Rennie, Patricia Neal e Hugh Marlowi.Uma nave alienígena atravessa o espaço sideral trazendo um Ser chamado "Klaatu" e seu Robo "Gort" em uma missão diplomática. Alertar os Humanos dos perigos das bombas atômicas. Assim que sai da nave, ele leva um tiro e vai para um hospital da cidade recuperando-se rapidamente. Ainda no Hospital ele fala com as autoridades americanas, solicitando uma reunião com todos os líderes da Terra. Pedido que não foi aceito. Assim, ele foge do Hospital e se hospeda em uma Pensão Familiar onde conheçe Helem Benson( Patricia Neal ),seu filho Bobby (Billy Gray) e o noivo de Helem, Tom Steens (Hugh Marlowe).Enquanto isto o Robo "Gort" fica estaticamente na frente da nave.Em seu convívio com as pessoas da pensão, Klaatu, se liga ao menino Bobby fazendo passeios com ele e conhecendo a cidade. Por indicação de Bobby ele faz contato com o maior cientista e fisico da cidade, o Dr. Barnhadt , a quem solicita uma reunião com os maiores cientistas da Terra. Para provar sua força e determinação ele faz uma demostração de seus poderes - Klaatu desliga por 30 minutos todas as fontes de energias da Terra ( carros, indústrias, elevadores, telefones , enfim nada funciona, a não ser aquelas fontes necessárias para não colocar vidas em perigo como por fim a reunião acontece, mas ele é denunciado por Tom Steens e foge com Helen, porém é morto pelas autoridades do exercito, não antes de ensinar a Helen a ativar Gort caso algo lhe aconteca com a frase "klaatu barada nikto". Alertado por Helen Benson, o Robô Gort, resgata o corpo de Klaatu levando-o para a nave, onde com máquinas especiais recussita-o por algum tempo. Tempo suficiente para ele dar sua mensagens aos humanosKlaatu alerta a Terra sobre os perigos da bomba atômica e diz categoricamente que a Federação que representa não irá admitir que elas sejam usadas no espaço. Se isto acontecer a Terra será destruida e em chamas.Ao assistir, fiquei emocionado pela abertura de possibilidades interpretativas que esse filme nos deixa..uma obrigação para todos os ufológos e interessados num cinema de verdade e sem figurações baratas, aqui você não vê gratuidade e sim filosofia.

ANOS 80: (BAR) ESPERANÇA NO CINEMA NACIONAL?







O debate em torno do cinema brasileiro na transição para os anos 80 é bem sintetizado por Ismail Xavier quando nos diz:
"O empecilho da viabilização de um projeto de entretenimento nacional mobiliza a nova geração e alguns cineastas que vêm do Cinema Novo e mesmo do udigrudi (nesse filme encontramos mais uma vez Hugo Carvana e a rainha do kitsch undergrond nacional, Maria Gladys). Em geral, ele tem levado uma incrementação substantiva do nível técnico e a maiores cuidados no ajuste do roteiro e da encenação a uma dramaturgia mais afinada à experiência ficcional oferecida pela TV. Há uma descontração emática - chamada por alguns de desrepressão - e o cineasta tem reinvidicado o direito à fantasia. Com razão, recusa a cobrança de maior rigor realista vindas de cabeças políticas mais dogmáticas e, com razão, se ocupa de "temas menores" , vivências localizadas, sem se obrigar a um estilo de representação que o eleve a grandes sínteses".
Esse é o caso exemplar de um dos maiores representantes do chamado cinemão oitentista: "Bar Esperança" (1983, dir. Hugo Carvana) que trata sutilmente do mal estar e decepção dos rumos tomados pelo cinema, onde seu caráter revolucionário entra em declínio (seria A Idade da Terra o atestado de óbito do cinema social?) no começo dos anos 80, abrindo espaço para um cinema happy e de características novelescas.
Logicamente, não podemos cair na esparrela da generalização...mas a maioria das produções do período se rendeu ao industrialismo cinematográfico...rumo lamentável do nosso cinema.
E uma das exceções do entreguismo visual se chama "Bar Esperança: O Último Bar que Fecha" com a direção de Hugo Carvana (aqui ele não espanca Gladys...rsrsrsrs) que juntamente com Marília Pêra nos emociona, numa história de amor e delicadeza, nos mostrando a poesia das relações microbianas. Não quero discutir a estética ou enrrendo da obra, mas sua representatividade na história do cinema.
Quando digo "mal-estar", é só perceber as intenções contidas na fala dos personagens, que ironizam a condição conjuntural do audiovisual, onde todos se "entregam", se "vendem" à produto da TV de massa: como disse Wilson Grey no filme o que vai acontecer é que "a merda inevitável brotará da terra e do mar" denunciando o fim da rebeldia, muitos intelectuais deixam de ser revolucionários e se aburguesam... vemos a luta constante de Hugo Carvana para fugir desse aprisionamento...sinto uma decepção no olhar dele várias vezes, sua mulher não passa de uma atriz pop em crise afetiva...
O filme é lindo, contar sua história é mero detalhe. O que me icomodou foi a intenção de Carvana fazer cineastas e pesquisadores refletirem o caminho que se tomou tantos anos de investimento numa revolução através do cinema, uma ótima facada nas costas para quem pretende conhecer os anos 80 e refletir a condição de feitura filmográfica e como os artistas agenciavam sua decepção, numa ironia muito bem equilibrada, sem apelar para a chanchada, mas com uma boa dose de erotismo e comédia.
Será que estou correto?